Publicado no dia 02.01.2023, o Decreto Federal nº 11.373, de 01.01.2023, altera o Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações.

A publicação não chegou a ser uma surpresa, na medida em que, com a mudança da gestão do Governo Federal em razão da eleição presidencial de 2022, já se vislumbrava uma alteração na perspectiva de atuação em relação ao meio ambiente, considerando as fortes críticas que a administração que assume a partir de 2023 tecia em relação à gestão que vigorou entre 2018/2022.

Todavia, não se pode negar que as modificações parecem ter sido, em certos aspectos, impremeditadas, porquanto, em relação a alguns temas, deixaram de ser estabelecidas regras de transição do regime anterior para o ora instituído pelo Decreto nº 11.373/2023, o que vem causando dúvidas e insegurança jurídica, tanto para os administrados, quanto para os próprios servidores do IBAMA.

De fato, pode-se iniciar a análise acerca das mudanças implementadas pelo Decreto nº 11.373/2023 a partir do tema conciliação ambiental.

Para recordar, a conciliação ambiental foi instituída, no âmbito do processo administrativo federal de apuração de infrações ao meio ambiente, por meio do Decreto nº 9.760, de 11.04.2019, o qual, ao alterar o Decreto nº 6.514/2008, previu que “por ocasião da lavratura do auto de infração, o autuado será notificado para, querendo, comparecer ao órgão ou à entidade da administração pública federal ambiental em data e horário agendados, a fim de participar de audiência de conciliação ambiental”.

Neste contexto, foi estabelecida uma fase conciliatória que envolvia uma série de atos a serem realizados tanto por parte do administrado, quanto do IBAMA, tendo sido criada uma unidade na autarquia dedicada exclusivamente a dar andamento a essa etapa do processo, qual seja, o Núcleo de Conciliação Ambiental – NUCAM.

Para regular o tema, o procedimento de conciliação foi detalhadamente previsto no Capítulo V da Instrução Normativa Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO nº 1, de 12.04.2021. Por sua vez, por meio do Decreto nº 11.080, de 24.05.2022, foram realizadas diversas alterações no Decreto de 2019.

Ou seja, ao longo quase três anos desde a criação da conciliação, foram despendidos tempo e energia com o instituto da conciliação, o qual, ainda assim, deixou a desejar no aspecto prático, uma vez que, no cotidiano dos processos, a fase conciliatória mostrou-se pouco efetiva, na medida em que, por ocasião da audiência, o representante do NUCAM limitava-se a expor ao autuado as soluções legais possíveis para encerrar o processo, tais como o desconto para pagamento, o parcelamento e a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.

É dizer: na rotina dos processos, a conciliação ambiental configurou-se como uma instância meramente burocrática, acabando por tornar — ainda mais — ineficientes os procedimentos sancionadores.

Isto porque era defeso ao NUCAM decidir, por ocasião da audiência, acerca de questões do mérito da autuação. Por outro lado, o autuado poderia optar por uma das soluções legais para encerramento do processo independentemente da participação em audiência de conciliação. Assim, na prática, mostrava-se mais célere para o administrado dispensar a audiência de conciliação, manifestando-se por uma das opções de pagamento da multa — mediante adesão ao Programa de Conversão ou pagamento direto, com desconto —, ou, caso tivesse intenção de impugnar a autuação, apresentar a Defesa administrativa.

Neste contexto, a alteração implementada pelo Decreto nº 11.373/2023 foi, precisamente, a extinção da conciliação ambiental, tendo sido revogados todos os dispositivos do Decreto nº 6.514/2008 (e alterações) que tratavam sobre o tema.

Com efeito, dadas as críticas ao assunto, poder-se-ia considerar positiva a revogação. Ocorre que, como dito, não foram estabelecidas regras de transição.

Assim, para os diversos casos em que os autuados, devidamente notificados, haviam manifestado interesse na realização da audiência de conciliação, e estavam aguardando o agendamento, não há, até o momento, previsão de qual procedimento deverá ser seguido.

Importante recordar que, segundo o regime anterior, quando o autuado manifestava interesse na realização da audiência de conciliação, ficava suspenso o prazo de 20 (vinte) dias previsto no art. 113 do Decreto nº 6.514/2008 para a apresentação de defesa administrativa. Caso, realizada a audiência, a conciliação se mostrasse infrutífera, iniciava-se o prazo.

Destarte, com o advento do Decreto nº 11.373/2023, e na ausência das regras de transição, resta aos autuados aguardar as definições acerca de como proceder, não tendo sido publicada, até o momento, nenhuma orientação sobre o tema, o que faz recair sobre todo o procedimento o véu da insegurança jurídica, e serve de base a inúmeras novas críticas quanto ao processo administrativo de infrações ambientais.

Cumpre mencionar que a insegurança atinge não apenas os administrados, mas também os próprios servidores dos órgãos responsáveis pela condução dos processos, que, questionados, chegaram a afirmar que “tudo foi feito repentinamente, sem consulta ao setor responsável pelas audiências e sem regras de transição previstas.”

Mas essa não foi a única alteração implementada pelo Decreto nº 11.373/2023 capaz de gerar dúvidas nos operadores do processo. O diploma modificou, por exemplo, a redação do caput do art. 113 do Decreto nº 6.514/2008, que passou a prever que “O autuado poderá, no prazo de vinte dias, contado da data da ciência da autuação, oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração”.

Anteriormente, o dispositivo determinava que o autuado poderia, tão somente, apresentar defesa contra o auto de infração, nada mencionando acerca de impugnação. Ora, é bem certo que os termos podem ter sido utilizados na redação apenas como sinônimos da ação de contestar o fato que foi imputado por meio do auto de infração, mas não restam dúvidas de que, em meio a tantas novidades, caso seja apenas uma questão de ampliar o rol de termos cabíveis para nomear a contradita do suposto infrator em face da autuação, a alteração do artigo mostra-se, no mínimo, despicienda, sendo, mais uma vez, apta a gerar insegurança jurídica.

Outra novidade trazida pelo Decreto nº 11.373/2023 foi a convalidação das notificações por edital para apresentação de alegações finais realizadas até a data de publicação do Decreto nº 11.08/2022.

Com efeito, a nulidade das intimações por edital para apresentação das alegações finais era tema que vinha sendo objeto de intensos debates, desde que o então Presidente do IBAMA proferiu, em 21.03.2022, o Despacho nº 11996516/2022-GABIN, por meio do qual, de forma muitíssimo bem fundamentada, exarou o entendimento de que seriam inválidas as intimações para apresentação de alegações finais realizadas por edital quando o órgão ambiental tivesse conhecimento do endereço do autuado.

Referido Despacho ressaltava que:

“O devido processo legal e a Lei 9.784/99 somente validam a intimação por edital diante de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido (Lei 9.784/99, art. 26, § 4º) (STF e STJ). Intimação por edital é ultima ratio, pois tem uso subsidiário em relação à intimação por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado (Lei 9.784/99, art. 26, § 3º). A intimação para apresentar alegações finais deve ocorrer respeitando as balizas presentes no artigo 26 da Lei do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal Ilegalidade da redação do artigo 122 do Decreto 6.514/08 prévia ao Decreto 9.760/19 preceituando a intimação para apresentar alegações finais por edital sem a presença dos requisitos do artigo 26, § 4º da Lei 9.784/99 (AGU, STJ e todos os TRFs). É nula a intimação editalícia não efetuada como ultima ratio por inobservância das prescrições legais, como destaca a Lei 9.784/99, art. 26, § 5º (“As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais”), e resta manutenção, ainda que parcial (prejuízo ao administrado), do auto de infração. A manutenção da autuação, ainda que parcial, deve estar fora do reconhecimento expresso pelo autuado do auto de infração.”

Ocorre que a intimação por edital para apresentação de alegações finais era praticada nos processos administrativos federais para apuração de infrações ao meio ambiente há longos anos, com base parágrafo único do art. 122 do Decreto nº 6.514/2008, de modo que, a prevalecer o entendimento objeto do Despacho nº 11996516/2022-GABIN, inúmeros seriam os casos de nulidades incorridas nos processos, o que foi tido pelos críticos como uma forma de isentar os infratores das multas.

Assim, a convalidação visou a reestabelecer os processos administrativos que tiveram restabelecida a nulidade — o que, certamente, não encerrará a discussão, que provavelmente será levada para a via judicial pelos autuados que se viram em casos desse tipo.

Por fim, dentre as alterações implementadas pelo Decreto nº 11.373/2023, merece destaque a referente ao Programa de Conversão de Multas.

Trata-se de mais um tema que, desde sua instituição, pelo Decreto nº 9.719, de 23.10.2017, vem sendo objeto de constante adaptação. Todavia, diferentemente da conciliação, vislumbram-se diversas vantagens no Programa de Conversão de Multas, o qual, de fato, teve o condão de estimular a diminuição do passivo dos processos, notadamente em razão dos descontos oferecidos aos autuados para adesão.

Neste contexto, faz jus a especial atenção a alteração dos percentuais de desconto passíveis de serem aplicadas pela autoridade ambiental sobre o valor da multa consolidada, passando o § 2º do art. 143 do Decreto nº 6.514/2008 a ter a seguinte redação:

§2º A autoridade ambiental, ao deferir o pedido de conversão, aplicará sobre o valor da multa consolidada o desconto de:

I – quarenta por cento, na hipótese prevista no inciso I do caput do art. 142-A, se a conversão for requerida juntamente com a defesa;

II – trinta e cinco por cento, na hipótese prevista no inciso I do caput do art. 142-A, se a conversão for requerida até o prazo das alegações finais;

III – sessenta por cento, na hipótese prevista no inciso II do caput do art. 142-A, se a conversão for requerida juntamente com a defesa; ou

IV – cinquenta por cento, na hipótese prevista no inciso II do caput do art. 142-A, se a conversão for requerida até o prazo das alegações finais.

Destarte, impõe-se reconhecer que o Decreto nº 11.373/2023 trouxe novidades que ensejaram a seguirão a gerar uma série de dúvidas a quem quer que trabalhe cotidianamente com o processo administrativo sancionador de infrações ao meio ambiente.

De fato, a publicação ainda renderá inúmeras consequências, sendo certo que em razão da alteração do Decreto, deverão ser modificados, também, todos os diplomas normativos que regulamentam o tema, sendo aguardadas mudanças, em especial, na IN Conjunta MMA/IBAMA/ICMBIO nº 1/2021, a demandar acompanhamento de perto dos próximos atos da atual gestão do meio ambiente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

© 2024. Ricardo Carneiro Advogados Associados. Todos os direitos reservados.